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Saúde mental nas empresas: as novas exigências legais e o papel da governança corporativa

  • Foto do escritor: Fermin Piccolo
    Fermin Piccolo
  • 1 de out.
  • 7 min de leitura

Atualizado: 9 de out.

Em 2024, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu que “Mental health at work” seria o tema central do World Mental Health Day. A campanha lembra que ambientes de trabalho seguros e saudáveis funcionam como fatores de proteção, enquanto condições adversas como sobrecarga, discriminação, assédio e outras formas de violência comprometem a saúde mental, qualidade de vida e produtividade.

Com 60% da população do mundo em idade laboral, a OMS alerta que é urgente agirmos para que o trabalho não seja fonte de adoecimento. A organização destaca que governos, empregadores e representantes dos trabalhadores devem trabalhar juntos, com envolvimento significativo dos próprios trabalhadores, investindo em abordagens baseadas em evidências.

No Brasil, o tema também ganhou força. O país aparece entre os mais estressados do mundo. Um relatório do Instituto Ipsos mostra que o Brasil era o quarto país mais estressado em 2024. As licenças por transtornos mentais cresceram mais de 400% em alguns anos. Apenas no primeiro semestre de 2024, o SUS registrou quase 14 milhões de atendimentos psicológicos. Em resposta a esse cenário, o governo atualizou a Norma Regulamentadora N.º 1 (NR‑1) e promulgou a Lei 14.831/2024, que institui o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental.

Este artigo – direcionado a analistas e líderes de governança, compliance e RH – apresenta o impacto da adoção (ou não) dessas medidas. Saúde mental deixou de ser apenas boa prática e se tornou obrigação legal, e como governança corporativa e tecnologia podem transformar esse desafio em diferencial competitivo.

Os riscos invisíveis e impactos sociais

Sem diretrizes claras, muitas empresas tratavam saúde mental como um tema subjetivo. A NR-1, vigente até 2024 focava em agentes físicos, químicos e biológicos. Dados globais da OMS mostram que cerca de 15% dos adultos em idade produtiva convivem com transtornos mentais, ansiedade e depressão, e custam à economia mundial US$ 1 trilhão/ano em perda de produtividade.

Na prática:

  • Trabalhadores sob pressão: excesso de tarefas, metas inalcançáveis, falta de apoio e equilíbrio entre vida pessoal e profissional são comuns. Pesquisa com 889 profissionais de RH, citada pela revista Exame, mostra que 32% das empresas brasileiras sequer começaram a se adequar à nova NR‑1.

  • Ambiente tóxico: assédio, discriminação e violência psicológica passam despercebidos nos programas tradicionais de SST.

  • Produtividade em queda: estresse e burnout geram afastamentos e altos índices de absenteísmo. A OMS aponta que 15% dos trabalhadores estão vivendo com transtornos mentais e que o custo econômico se deve principalmente à queda de produtividade.

  • Governança ausente: equipes de qualidade e compliance concentradas somente no resultado corporativo e em controlar documentos e planilhas ignoravam a dimensão humana. Sem políticas formalizadas e sem indicadores, riscos psicossociais ficavam fora do radar da alta administração.

O marco da nova NR‑1 – tornar visível o que era invisível

A Portaria MTE nº 1.419/2024 alterou a NR‑1 e estabeleceu que, a partir de 26 de maio de 2025, a gestão de riscos ocupacionais deve incluir fatores psicossociais.

Os principais pontos da NR‑1 atualizada são:

  • Integração dos riscos psicossociais no PGR – o Programa de Gerenciamento de Riscos deve abranger “agentes físicos, químicos, biológicos, riscos de acidentes e riscos relacionados aos fatores ergonômicos, incluindo os fatores de risco psicossociais”. A organização deve classificar esses riscos e adotar medidas preventivas.

  • Participação dos trabalhadores – as empresas devem adotar mecanismos para que os trabalhadores participem do processo de gerenciamento de riscos e manifestem a percepção sobre fatores psicossociais.

  • Avaliação periódica – a probabilidade de lesões decorrentes de fatores ergonômicos, incluindo os fatores de risco psicossociais, deve considerar as exigências da atividade de trabalho e a eficácia das medidas de prevenção.

  • Vigência e penalidades – a nova NR‑1 entra em vigor em maio de 2025. Conforme reportagem da Exame, a exigência de avaliação de riscos psicossociais será fiscalizada e multas estão previstas a partir de 2026.

Segundo pesquisa Panorama da Saúde Emocional do RH, apenas 5% das empresas brasileiras estavam totalmente preparadas para as novas exigências em 2025. A maioria ainda estava em fase de ajustes ou nem havia iniciado o processo. As principais barreiras apontadas pelos respondentes foram:

  • Capacitação das equipes – citada por 35% dos entrevistados;

  • Estruturação e monitoramento do programa – 13%;

  • Custos de implementação – 11%.

Apesar das dificuldades, 65% acreditavam que a medida traria benefícios à saúde mental e 42% viam a norma como validação da importância do tema.

A Lei 14.831/2024 – certificando empresas promotoras da saúde mental

A Lei 14.831, sancionada em 27 de março de 2024, cria o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental e define diretrizes para que empresas obtenham o selo. O certificado é um reconhecimento público concedido às organizações que adotarem práticas efetivas de promoção do bem‑estar.

Entre os principais requisitos:

1. Promoção da saúde mental

  • Implementar programas de promoção da saúde mental no ambiente de trabalho;

  • Oferecer apoio psicológico e psiquiátrico aos trabalhadores;

  • Realizar campanhas de conscientização e treinamentos sobre saúde mental;

  • Dar atenção específica à saúde mental das mulheres;

  • Capacitar lideranças para lidar com questões emocionais;

  • Combater discriminação e assédio em todas as formas;

  • Avaliar e acompanhar regularmente as ações implementadas.

2. Bem‑estar dos trabalhadores

  • Promover um ambiente de trabalho seguro e saudável;

  • Incentivar o equilíbrio entre vida pessoal e profissional;

  • Estimular atividade física, lazer e alimentação saudável;

  • Fomentar integração e comunicação saudável no trabalho.

3. Transparência e prestação de contas

  • Divulgar regularmente as ações de promoção da saúde mental;

  • Manter canais de sugestões e avaliações para trabalhadores;

  • Desenvolver metas e análises de resultados periódicas.

A certificação tem validade de dois anos, e empresas podem utilizá-la em seus materiais promocionais. O descumprimento das diretrizes pode levar à revogação do certificado. Algumas críticas apontam a ausência de representantes dos trabalhadores nas discussões iniciais e o foco em ações individuais sem atacar as causas estruturais do sofrimento psíquico.

Sobre isso, é necessária a absorção dessas iniciativas na cultura organizacional.  O selo dá visibilidade ao tema e estimula mudanças culturais, mas a liderança precisa estar à frente dessas iniciativas e dar o exemplo.

O papel da governança corporativa

Tanto a NR‑1 quanto a Lei 14.831 exigem governança robusta. Na prática, isso significa ir além das políticas e processos adotados até então. Uma boa governança deve envolver controles e ações para promoção e monitoramento do bem-estar dos colaboradores, além de regras, processos e tecnologias que garantam qualidade, segurança e rastreabilidade das informações – princípios que já indicamos em artigos anteriores. 

Aplicada à saúde mental, a governança corporativa exige:

  • Compromisso da alta administração – conselhos de administração e diretores devem incluir saúde mental nas agendas ESG, definindo políticas claras, indicadores e metas.

  • Integração com gestão de riscos – as comissões de risco precisam incorporar os riscos psicossociais ao inventário de perigos, analisando fatores como assédio, sobrecarga, ergonomia e clima organizacional.

  • Participação e transparência – CIPA e comissões internas devem ser fortalecidas para que trabalhadores participem da identificação de riscos e do desenho de planos de ação; resultados devem ser divulgados de forma transparente.

  • Ética e conformidade – auditorias internas devem verificar não apenas se há documentos, mas se práticas de apoio psicológico, combate ao assédio e promoção do equilíbrio estão sendo cumpridas.

A governança também é essencial para a certificação: manter registros das ações de saúde mental, indicadores de bem‑estar e evidências de participação dos funcionários facilitará a avaliação pela comissão certificadora.

Tecnologia como aliada

Assim como discutimos nos artigos sobre transformação digital e governança documental, tecnologia é peça-chave para dar escala às novas exigências.

Alguns exemplos são:

  • Plataformas de gestão de riscos – soluções de GRC (Governance, Risk & Compliance) podem integrar dados de SST, avaliar exposição a riscos psicossociais e emitir alertas. Dashboards permitem acompanhar indicadores como absenteísmo, turnover, reclamações de assédio e resultados de pesquisas de clima.

  • Ferramentas de escuta ativa – canais digitais anônimos (chatbots, apps de ouvidoria) estimulam os trabalhadores a denunciar assédio ou sobrecarga sem medo. Os dados são usados em planos de ação e mostram tendências.

  • Treinamentos on‑line e EAD – a própria NR‑1 prevê diretrizes para ensino a distância (Anexo II). Plataformas de microlearning podem capacitar lideranças e equipes em inteligência emocional, prevenção do burnout e comunicação não violenta.

  • Aplicativos de saúde mental – programas de mindfulness, suporte psicológico on‑demand e incentivo à atividade física contribuem para o bem‑estar. Embora a evidência de eficácia ainda seja limitada, a OMS recomenda combinar intervenções organizacionais com intervenções individuais, como treinamentos em gestão do estresse e atividades físicas.

  • Automação e gestão documental – sistemas de gestão de documentos e workflows reduzem tarefas repetitivas, liberando tempo de profissionais de RH e compliance para se dedicar a ações estratégicas de promoção de saúde mental, como observado em estudos sobre automação citados anteriormente.

A tecnologia, porém, não resolve tudo. A OMS lembra que intervenções individuais devem fazer parte de um conjunto maior de ações organizacionais que abordem fatores de risco no ambiente de trabalho. Ferramentas digitais precisam ser acompanhadas de políticas claras, liderança empática e cultura inclusiva.

Os benefícios tangíveis e culturais

Empresas que se adiantarem à NR‑1 e buscarem o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental têm muito a ganhar. A inclusão da saúde mental como risco ocupacional é um avanço significativo e adotar uma postura preventiva cria um ambiente mais saudável e produtivo. Os benefícios esperados incluem:

  • Engajamento e retenção de talentos;

  • Produtividade sustentável e redução de afastamentos;

  • Melhoria da reputação como marca empregadora responsável;

  • Redução de custos com absenteísmo e problemas judiciais relacionados a assédio.

Mais do que cumprir uma lei, a transformação cultural impulsionada pela NR‑1 e pela Lei 14.831 reflete uma tendência global de colocar o bem‑estar das pessoas no centro da estratégia. Governança corporativa e tecnologia são as peças que permitem articular políticas, processos, dados e pessoas em prol de atingir os objetivos corporativos, mas é imprescindível garantir um ambiente onde trabalhar contribua para a saúde mental em vez de prejudicá‑la.


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Escrito por Fermin Piccolo

CTO na Arqueum

Especialista com mais de 25 anos de experiência em ajudar empresas a otimizar a governança corporativa e a gestão de documentos por meio da tecnologia.

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Referências:

LEI Nº 14.831, DE 27 DE MARÇO DE 2024 - Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental

NR-01 - Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais

Organização mundial da Saúde (OMS)

World Mental Health Day 2024

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